Apocalipse Coral
Durante o atual período, experimentei diversas ferramentas para a prática coral on-line. Algumas pouco eficientes, outras muito promissoras. Cada grupo reagiu de um modo, mas, de alguma forma, finalmente encontrei um caminho. Fiz uma live com professores da UNIRIO, que chamou alguma atenção, onde tive a oportunidade de deixar um pouco de minhas reflexões e propostas. Nada muito acadêmico, na verdade, totalmente pragmático. Muita coisa seguindo uma intuição pedagógica.
Tive medo de apresentar as propostas. Normalmente, na música, lidamos com pessoas retrógradas, tanto cantores como regentes, que possuem dificuldade com novas tecnologias e não têm curiosidade de explorá-las. Eu, pelo contrário, sempre gostei de mexer com isso.
Quando apresentei minha proposta de uso das novas tecnologias, alguns líderes e cantores vieram de encontro dizendo que o canto coral presencial jamais seria substituído. Me surpreendi, pois, ao explorar essas ferramentas, não estava buscando substituir o ensaio presencial, mas encontrar uma solução que contribuísse para este mesmo ensaio e, ao mesmo tempo, fosse eficiente no desenvolvimento coral. Imediatamente pensei: “nossa! mas que visão apocalíptica! Eu aqui, propondo diversos novos caminhos para a boa vivência coral, e as pessoas imaginando se isso seria o fim derradeiro da prática.”
Refletindo mais um pouco, percebi que, na verdade, essa postura só mostra a limitação de visão da versatilidade da atividade coral. Muito regentes colocam a culpa na internet e nos meios digitais de comunicação quando não conseguem realizar suas atividades, mas, na realidade, a limitação é deles. São os regentes que não aprenderam a lidar com esse ambiente que, há mais de 20 anos, está acessível a boa parte da população. E não adianta colocar a culpa na formação! Muitos não aprenderam por falta de interesse mesmo, ou por falta de pressão do mercado, que sempre foi muito permissivo em nossa área, admitindo trabalhos corais com líderes dotados de pouquíssima capacitação. Alguns realmente têm dificuldade, mas afirmo com serenidade que boa parte dos que se encontram nesta situação está acomodada.
Com uma atividade de economia praticamente inexistente no setor cultural, de fato, essa mudança de postura se torna mais difícil. Vai uma empresa resolver manter a estrutura do século XVIII para ver o que acontece... São poucas as que sobrevivem e, as que permanecem, ficam restritas ao mercado feudal de uma região bem limitada. Aliás, já perceberam como alguns líderes tendem a transformar seus corais em feudos? Fecham-se em fortificações, não fazem novas experiências, jamais dividem suas práticas com os outros. Sempre dizem que estão indo bem, mas dificilmente se colocam à prova. Também, com um mercado que não julga! É muito fácil. Também faltam trabalhos de preparação musical dos cantores para desenvolverem senso crítico.
Conseguir trazer o canto coral para o ambiente virtual, na verdade, é um grande mérito e, de forma alguma, anula a atividade presencial, mas acrescenta e otimiza. Em verdade, o olhar apocalíptico e pessimista do canto coral diante desta realidade só reflete o medo de regentes e cantores de se tornarem obsoletos. Esse olhar limitado representa o atraso. O canto coral precisa de avanços para o século XXI. O mundo só gira para um lado. O tempo só corre para a frente. Essa pandemia é terrível, mas se há um alento, este é para o desenvolvimento do canto coral. A pandemia que está dizimando populações, ao mesmo tempo está salvando uma atividade que estava à beira do apocalipse.
Quem se nega a trabalhar no novo ambiente já pode pensar em se aposentar. E, aqueles que interromperam as atividades e pretendem voltar apenas no regime presencial, se não se atualizarem, vão se jubilar de qualquer forma. Seja pelo abandono de cantores, seja pela falta de capacitação para as novas demandas da profissão.
O regente à moda antiga já era! Esse nome já era. Agora, é diretor! Chega desses termos que não definem a profissão e são repletos de preconceitos. Por que chamar de maestro? Deixe o título para aqueles que o receberam da igreja católica e mantém o serviço como se fazia há 500 anos atrás. Dirijam seus coros, gerenciem-nos. Sejam gestores. Saiam da posição narcísica e coloquem-se em posição servil. Seja um servo do conjunto. Trabalhe em prol de seu crescimento dentro das melhores condições possíveis. Abandonem os preconceitos e coloquem-se à prova. Experimentem novas abordagens.
Cantores também: abandonem os preconceitos. Aqueles que não seguiram as mudanças do momento, já não acompanhavam nem os ensaios presenciais, portanto, sua desistência foi indiferente e, de certa forma, saudável, pois estavam atrasando o desenvolvimento global dos grupos. O cantor também precisa mudar a maneira de pensar e agir. Saber sua função, movimentar-se, procurar aprender, ter postura pró-ativa, sair da inércia. Seu líder não é sua babá. Se o caminho já foi mostrado, siga-o com as próprias pernas. Não se faça de coitado, nem fique esperando uma solução milagrosa para as suas limitações. Não tem intimidade com as ferramentas tecnológicas? Corra atrás do prejuízo. Se sua limitação é a informática, faça cursos. Aproveite o tempo livre para aprender algo novo e contribuir para o desenvolvimento de seu grupo. Não faltam cursos on-line na internet. Saia um pouco do WhatsApp e entre no Google. Navegue nas ferramentas de pesquisa em busca de conhecimento. Não espere as coisas virem até você. Se tem alguma dificuldade, busque uma solução. A manutenção do coral também é sua responsabilidade. Movimente-se!
Nunca produzi tanto como neste momento. Agradeço aos cantores que estão comigo nesta jornada e a todos os que apoiam minhas decisões. Não há um apocalipse coral eminente, mas um renascimento. Vamos em frente!
Parabéns por sua iniciativas, estamos passando por um momento que encontar novos horizontes de atuação é muito importante. Concordo com você, a questão não é inviabilizar o retorno presencial ė viabilizar o encontro virtual que pode abrir muitas frentes de atuação. Espero que persista nesse caminho.
ResponderExcluirRafael, como nosso condutor, você tem procurado novas ferramentas para manter o trabalho dos coros desde que o isolamento social começou. Tivemos o material necessário para aprende, como os encontros por vídeoconferências e tutoriais sobre as novas ferramentas. O cantor precisa estar aberto às novidades, se gosta mesmo de cantar em grupo, pois o presencial ainda não é possível. Pelo que percebi, os coros que participo têm aceitado muito bem vislumbrar novos horizontes!
ResponderExcluirRafael sempre foi visionário quanto a trabalhos online! Participantes de corais sob sua regência, sabem de seu empenho há muito na área virtual com relação à música. Com a pandemia conseguiu, com rapidez e competência, colocar em prática tudo o que imaginava ser possível. Surge então o Instachoir, com trabalho belissimo !! Parabéns!
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