Orfeon de Jalisco - Canciones de México - Experiência e escuta no canto coral

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Até que ponto uma gravação transmite a realidade de um coral? Hoje a resenha é sobre o Orfeón de la Benemérita y Centenaria Escuela Normal de Jalisco no disco Canciones de México para el Mundo.

Orfeón de la Benemérita y Centenaria Escuela Normal de Jalisco

O Orfeón de la Benemérita y Centenaria Escuela Normal de Jalisco é uma instituição voltada para o canto orfeônico como atividade intrínseca à educação escolar. Possui mais de cem anos de atuação e foca no repertório folclórico mexicano. 

O canto orfeônico

Os movimentos orfeônicos, como atividades recreativas e músico-educacionais, surgem da metade para o fim do século XIX, na França. No início do século XX, se tornam presentes em diversas instituições educacionais de todo o mundo como uma atividade símbolo da Escola Nova, ligada à filosofia pragmatista calcada nos ideais de John Dewey, Charles Peirce e William James. Os personagens mais atuantes no Brasil durante  o movimento escolanovista são Anísio Teixeira e Lourenço Filho.
O movimento orfeônico surgirá no Brasil no início do século XX, e alcançará o seu auge durante o Estado Novo, em projeto encabeçado por Heitor Villa-Lobos, com o apoio de Getúlio Vargas.
O canto orfeônico possui teor cívico, necessário a um governo calcado em princípios nacionalistas, por isso, os orfeões possuem, na maior parte do repertório, músicas populares e folclóricas do país onde residem. O Estado Novo, sendo um regime autoritário, precisava de meios de controle populacional, dando mais força ao projeto. 

Canciones de Mexico para el Mundo

Não posso dizer que o álbum dessa resenha seja bom. Na verdade, apresenta vários problemas. Porém, até que ponto, nos dias de hoje, uma gravação representa a realidade de um coral? Com as técnicas avançadas de gravação, é possível mascarar muita coisa. Certos processos, como o "autotune", corrigem os problemas de afinação, tão temidos pelos maestros. É possível fazer colagens de trechos gravados, priorizar frequências, simular espaços, inserir trechos gravados com outros grupos. Uma infinidade de recursos. 
O desenvolvimento de mais de cem anos de produção fonográfica criou um padrão de som que estamos inclinados a aceitar. Após muitas experiências, a indústria fonográfica já  possui algum conhecimento sobre os procedimentos que fazem um álbum, ou uma faixa, lucrar mais. Entretanto, o Orfeão de Jalisco assumiu todos os "defeitos" e, em 2000, lançou esse disco com canções à capela recheadas de desafinações e de timbres vocais que em nada agradam aos meus ouvidos. Sopranos com voz estrangulada, contraltos e homens cantando na garganta, acordes que não fecham, desencontros rítmicos. O disco possui todos os problemas que meus grupos iniciantes possuem. Oops! Acabo de revelar o motivo do incômodo... 

Ligando o ouvido crítico

Na verdade, todo o grupo iniciante possui esse som. A "maquiagem" utilizada na gravação apenas dissimula o problema fazendo com que o ouvinte acredite que o grupo seja de outro jeito. Nada mais honesto do que ouvir um grupo que soa da mesma maneira em que soa em seu CD e, nada mais decepcionante do que ouvir um grupo cujo disco é excelente, mas que, na performance ao vivo, decepciona. 
Escutando o disco do Orfeão de Jalisco com outros ouvidos, percebo que os arranjos são de excelente qualidade: possuem efeitos únicos e o repertório é agradabilíssimo, com lindas músicas, próprias da cultura mexicana. Além disso, esse timbre que tanto desagrada é uma marca registrada da maneira de cantar do mexicano, revelando um caráter vocal étnico autêntico. O uso de instrumentos e acompanhamentos característicos também traz um traço único. Se o disco tivesse outro som, não seria nada mexicano! 

Se os coros iniciantes soam tão mal, por que recebem aplausos?

O mais importante, numa apresentação musical, é a experiência proporcionada ao ouvinte. Um sorriso pode render mais aplausos do que um canto afinado. Repare que, no teatro, as falhas trazem muito mais risadas do que as piadas prontas. A espontaneidade é uma ótima ferramenta de conquista. 
Walter Benjamin, filósofo da escola de Frankfurt, utiliza um termo cunhado no advento das formas automatizadas de entretenimento como o cinema, chamado "áurea". Para Benjamin, a "áurea" só pode existir na relação direta e pessoal com a obra de arte. No texto "a obra de arte na era da reprodutibilidade técnica", a partir do método filosófico, conclui que jamais um fonograma substituirá a relação direta com a música. 
A relação humana é diferente da máquina. Por isso, mesmo que o som não saia como planejamos, recebemos aplausos. Chamamos isso de empatia.

Ouça o álbum abaixo e divirta-se!

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